5 de outubro de 2018

Uma Cidadã faz trinta anos

"O brasileiro nasceu para viver nas convulsões da inquietude ou na letargia do aborrecimento" - (Frase da peça "Candido ou o Otimismo", de Voltaire, adaptada para este texto)

Quem tem inveja da constituição dos Estados Unidos, o tem pelo motivo errado. Sim ela cabe numa ou em duas páginas. E consegue caber nesse espacinho porque na verdade é uma Carta de Princípios que norteariam a construção de uma nova pátria. Toda constituição tem este cacoete de fundar ou refundar a nação – e, bem se diga – todas as nossas seis anteriores à atual também.

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Em resumo, uma constituição é escrita olhando para frente, ainda que sob os fumos do presente, sempre conturbados nas épocas das promulgações das constituições brasileiras, com exceção da atual, feita sob uma assembléia constituinte. A de 1946 também foi, é verdade, mas no fundo todo mundo ali sabia que não iria durar muito (durou milagrosos 21 anos). As Constituições, não só as nossas, são sempre filhas das convulsões das inquietudes de tempos incertos. Elas servem para acertar o Tempo.

  O problema com a Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988 é que foi feita mirando o passado, como que a tentar consertá-lo. Essa característica a pôs velha antes do tempo. Fruto de uma época de consolidação democrática, onde a ditadura já mais do que morrera de velha, ela teve cara de lápide, onde se lia o definitivo enterro dos tempos de repressão.

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Pelos seus artigos desfila um ordenamento não de metas mas de um passo-a-passo rumo a uma Utopia, rumo a um país idealizado. Em vez de inspirar um povo, optou-se por tutelar uma patuléia através de uma avalanche de direitos, como se uma Nação digna deste nome se construísse inicialmente com todos brigando por direitos e não cuidando de seus deveres. Num momento pleno de chances para uma construção, buscou-se uma redenção. No fim e ao cabo, saiu uma Carta Magna soberba, com muitas coisas definidas e outras nem tanto - nunca uma Constituição precisou tanto de leis complementares e regulamentares.

Enfim, nada contra ela ser fruto de seu tempo, só a lamentação de ser um facho de luz para trás.

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  Um texto longo mas que consegue ser incompleto, por vezes tão incompleto e dúbio que parece ser de propósito. Tanto é que a pequena Constituição Norte Americana precisou de 27 emendas em mais de duzentos anos e a nossa precisou de 97 em trinta anos (e contando).

  Mas que essas linhas acima não atribuam à Constituição de 88 o papel de Geni: ela não tem culpa da vergonha do Saneamento Básico, do mar de corrupção, das gerações de analfabetos funcionais, enfim se não ajudou muito também não merece o troféu de ralo por onde escoaram as possibilidades do país. Mas seu tempo está passando. O próximo mandato do próximo presidente, seja ele quem for, vai ser marcado por esta agenda, a de uma nova Constituinte.

A Nova República envelheceu, seus atores envelheceram. Nem a propaganda política será a mesma. A participação das pessoas no debate tem cara de protagonice nas Redes Sociais. Em nome disso, eis aqui um otimista que acha que o próximo mandato será uma transição que culminará numa nova Constituinte. A Constituição Cidadã impediu - e vai continuar impedindo - que nos tornemos uma Venezuela. Mas está na hora de dar lugar a uma nova Carta.

Que será elaborada por uma Assembleia a ser formada do jeito que gostamos de eleger assembleias: com grupos de pressão, caciques, corporações, todo mundo puxando as alíenas pros seus lados. Vai sair um texto que Deus nos livre. Paciência. Meu otimismo reside no fato de torcer para que toda esta ebulição a ser contemplada nas urnas neste Domingo faça com que o Brasil continue sendo o Brasil.

A peça de Voltaire reforça que não há nada metafísico na condução de nosso destino. Ele é fruto apenas e tão somente do que fazemos com nosso livre-arbítrio, e por isso o "otimismo" é algo próprio dos ingênuos.

Por isso, que a marca destes próximos quatro anos seja uma maturidade que nos leve a pensar na correta condução de nossos deveres. Assim, que uma eventual nova Carta pelo menos tenha a pretensão de refundar uma sociedade olhando para frente, sendo a semente para a esperança que conduza a uma renovação para todos nós, o povo do Brasil.

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