Sou o novato aqui. Meu nome é Junior Ferreira e fui
convidado pelo meu grande brother, o Ricardo Marques pra escrever aqui pro UBQ.
Como ele me deu carta branca pra que eu escrevesse sobre o que me "viesse
a veneta", resolvi escrever sobre algo que me fascina e norteia a minha
vida desde a mais tenra idade, a melhor companhia que qualquer ser pensante, e
"sentinte" (neologismos, sempre!!!), possa querer, a MÚSICA.
Meu gosto musical (que por se tratar do MEU gosto, considero
bom pacas, mas sempre haverão controvérsias, e que assim seja, pois senão a
mesa redonda de filósofos de boteco perderia um dos grandes assuntos) não é dos
mais comuns, mesmo se tratando de rock'n'roll. Pode parecer clichê falar de rock,
mas tenho verdadeira paixão por coisas que ainda não foram descobertas, sim,
sou um neófilo, ou como prefiro chamar, um garimpeiro musical.
Pôxa, falo no parágrafo anterior que meu gosto não é dos
mais comuns e falo em seguida que gosto de rock, cadê a esquisitice? Milhões de
pessoas gostam de rock, e ai? Ok, concordo em gênero, número e grau, mas
quantos dos seus amigos que escutam rock, tem a "pachorra", a
paciência de ficar caçando coisas que provavelmente ninguém conhece e se
empolgar como criança ao saber que no outro lado do mundo, lá na longínqua
Bielorrússia (ou Belarus, no idioma deles), existe uma cena roqueira da melhor qualidade, e que por lá eles
fazem o melhor post-punk de que temos notícia? Pois é, eu disse que poderia
soar bizarro aos ouvidos alheios. Inclusive pra mim, a princípio, soou bizarro, banda
de rock da Bielorrússia? Vocês estão de brincadeira!!! Mas a curiosidade sempre
fala mais alto e arrisquei.
Uma cesta de 3 pontos do meio da quadra a um segundo do fim
do jogo... Chuá!!!
A primeira banda de lá a ganhar a minha atenção foi o Akute
(o pior é falar da banda pros amigos que te olham com aquela cara de "Você
bebeu?" e nem saber se a pronúncia do nome como ando dizendo está correta.
Pronuncio do jeito que lemos em português mesmo.). Banda oriunda da cidade de Mogilev e que conta em sua formação
com: Raman Žyharau (baixo e vocais), Stas Mytnik (voz e guitarra), Pavel Filatov
(bateria).
O Akute, é uma clássica banda de post-punk. Ao ouvi-los,
senti-me em Londres, início dos anos 80, aquela safra magnífica de bandas: Joy
Division, The Cure, Wire, Echo & the Bunnymen, e tantas outras. Uma
sonoridade revisitada com um talento sensacional que faz com que o som não soe
datado, mesmo estando óbvias as referências. No caso do Akute, nota-se claramente
a influência gigantesca do Joy Division, uma sonoridade mais soturna, com
bateria dançante, baixo bem marcado e guitarras criativas e barulhentas. A voz,
é um caso à parte. Primeiro por cantarem em seu idioma pátrio (impossível
cantar junto!!!) e segundo porque provavelmente eles coloquem alguma coisa na
água daquele povo, ou mais provavelmente, a quantidade de vodka que consomem
por lá, faz com que todos fiquem com um timbre parecido com o do Ian Curtis
(vocalista do Joy Division, morto em 1980).
Eles tem 2 discos lançados, o primeiro chama-se
"Dzievacki i Kosmas" e é de 2011 e o segundo e mais recente, chama-se
"Nie isnuje" e é de 2012. O disco que mudou a minha opinião sobre o
rock feito do outro lado do mundo, foi o de 2012, e que grata surpresa. Começa incendiário,
com "Krou by vada", faixa que já coloca os saudosistas pra
chacoalharem o esqueleto no baile, e que ao mesmo tempo consegue ser dançante e
vigorosa, com um final épico. Conforme as faixas vão passando o disco se mostra
ao mesmo tempo retrô e moderno. Não ouço só passado no som dos caras, ouço
resquícios de coisas atuais como "the Killers" em "Jany pad
snieham". Talvez o resquício mais oitentista e descaradamente retrô esteja
em "Špital". Mesmo com alguns elementos eletrônicos e modernos, o som
dos caras é calcado na década de 80 e isso, em momento algum soa pejorativo, é
uma das maiores virtudes dos caras, estruturar-se e conceber algo novo
baseando-se em algo que já tinha sido feito anteriormente (provavelmente quando
nenhum dos caras da banda era nascido).
Fica difícil apenas conceituar, é muito mais fácil deixar a
iguaria pra que vocês apreciem. O link pro álbum dos caras tá aqui: https://soundcloud.com/akute/sets/nie-isnuje/
Outra banda a chamar a minha atenção foi o Blackmail (ao
menos nesse caso, sei que a pronúncia do nome está correta). Não soam tão estranhos
quanto o Akute, pois cantam em inglês. São da cidade de Minsk e contam em sua
formação com: Maxim Kulsha (voz e guitarra), Yurii Skopets (guitarra), Alexandr Sinica (baixo) e Arthur
Granik (bateria). Soam mais modernos, fazem o chamado "post-punk
revival", o mesmo de algumas bandas estadunidenses do começo dos anos
2000, como Interpol e She Wants Revenge. Embora as influencias sejam as mesmas
dos estadunidenses, o Blackmail tem uma qualidade enorme e faz um som cheio de
identidade.
Eles tem 2 discos lançados, o "Blackmail EP" de
2009 e o "New Ritual" de 2011. Ambos são de um bom gosto ímpar. Bem
produzidos, com uma sonoridade que foge totalmente do óbvio, e que
provavelmente teria estourado no mundo todo, caso fossem estadunidenses ou ingleses,
mas a cena bielorrussa AINDA não foi descoberta pelo grande público consumidor
de rock'n'roll, o que é uma pena. Quem sabe não esteja ajudando a mudar essa
história (pretensão à parte).
Entre seus dois lançamentos, o EP de 2009 me ganhou. Mais
curto, mais coeso, mais cru, provavelmente pela inexperiência da banda que
evoluiu de um disco pra outro, o "New Ritual" é melhor produzido,
mas me amarro na crueza do
"EP". Vejo nele lampejos de Interpol, principalmente na voz. Suas
músicas tem um clima bem soturno, as guitarras são muito bem trabalhadas (em
algumas vezes chegam a lembrar o U2 do começo, com vários harmônicos como em
"Captain of Lonely Heart" ), o baixo tem um timbre extremamente grave
(e isso é lindo!!!) e a bateria é minimalista, sem comprometer a qualidade do
som. Em "Carnival" podemos notar a maior semelhança com as bandas
estadunidenses, embora isso não seja demérito algum, mas nada soa como cópia ou
como releitura, mostra apenas que os bielorrussos estavam antenados com o que
ocorria musicalmente à época, ponto pra eles. Estavam sim na hora certa, mas
como o local não tinha visibilidade, passaram despercebidos, uma pena, pois são
uma banda sensacional.
O Blackmail pode ser ouvido nesse link (embora não consegui
um link pro "Blackmail EP" disponível em streaming): http://theblackmail.bandcamp.com/
Dessa primeira leva de descobertas bielorrussas, o último
achado foi o "The Praga". Também cantam em inglês, mas soam bem mais barulhentos
que as outras duas bandas, ainda assim soam post-punk pra caramba. Também são
de Minsk e tem em sua formação: Denis (voz e guitarra), Pavel (baixo e voz) e
Anton (bateria).
Eles tem alguns singles lançados de maneira isolada, mas um
deles, um maxi-single de 3 músicas chamado "My Summer", me chamou
muito a atenção. A voz é cavernosa de tão soturna que é, mas a sonoridade é de
uma urgência, de um desespero tão grande que tem horas que chega a soar
claustrofóbico, e essa é a maior qualidade deste disquinho. Das 3 bandas, o
"The Praga" é a mais diferente (sonoramente falando). Faz um som
muito mais puxado pro "shoegaze" do que pro post-punk, embora sejam
claros todos os clichês do estilo no som dos caras: guitarras trabalhadas e
criativas (embora aqui, mais barulhentas que as demais), baixo cadenciado, com
ritmo e peso, a bateria minimalista e a voz grave.
Nesse single, tudo é feito no capricho. A produção é
primorosa, a construção e execução das músicas é de um bom gosto fora do comum,
tudo soa bem aos ouvidos. A abertura com "My Summer" é o que mais se
aproxima do post-punk "de raiz", com traços de Joy Division no andamento e na voz, mas a nova geração aparece por aqui, a
bateria dançante aparece em algumas partes. Mesmo não sendo tão post-punk como
as outras duas bandas, ainda é um bocado post-punk (está complexa essa
explicação, eu sei, mas tem todos os elementos, a sonoridade e a atmosfera, mas soa diferente dos clichês). A
segunda faixa, "Divorce", é a mais oitentista do disco. Guitarras
cheias de efeitos, soando bem melódica no começo, até explodir em distorção no
que costumamos chamar de refrão. Mesmo mantendo o "esporro sônico" a
voz continua pomposa e soturna (como se nada tivesse acontecido, como se a
música continuasse na calmaria, e não no tsunami que se transforma), e essa dualidade é a
cereja do bolo, torna essa música surpreendente. Boa demais! A última faixa,
"Empty Rooms", também com instrumental calcado nos anos 80 (guitarras
minimalistas, baixo marcado e bateria vigorosa), caberia numa boa, no repertório
de quaisquer boas bandas da época, o que faz com que sejam ótimos representantes
do que se propõem a fazer, o fazem muito bem feito.
Pra ouvir o "The
Praga", acesse: https://soundcloud.com/the-praga/sets/the-praga-my-summer
Claro que existem mais bandas na cena musical bielorrussa,
mas nesse primeiro momento, foram essas três que me chamaram mais a atenção.
Conforme forem surgindo outras coisas boas (na Bielorrússia ou em qualquer
outro lugar), compartilho aqui com vocês. Espero que se divirtam e se
surpreendam. Boa viagem com os roqueiros bielorrussos.
Logo menos, tem mais!!!