6 de julho de 2018

O futebol não é preciso

A frase original é de Pompeu, dita aos seus marinheiros antes da travessia no mar incerto: "Navigare necesse; vivere non est necesse."
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A primeira das frases motivacionais da história - e talvez devesse ter sido a única. Há quem ache até hoje que o "preciso" da tradução seja referente a "exato", o que torna a máxima menos poética, por redundante: "navegar é exato, viver não é exato".
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Assim como sabemos que o futebol também não é exato, nem com a presença do árbitro de vídeo. A única coisa exata neste esporte é que para que alguém ganhe, outrem precisa perder. E eis que chegou nosso dia de ser este outrem.
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Não foi uma zebra. A Bélgica tem um time bem arrumado, o melhor de sua história, e vinha se apresentando bem na Copa e antes dela. O Brasil vinha de uma primeira fase meio assim sei lá, parecia ter engrenado diante do México e veio mesmo num crescendo para esta partida, o que ficou patente nos primeiros minutos perante aos belgas.
A diferença começava com a história. Era a melhor Bélgica da história, com nomes que ficarão por gerações, contra um Brasil, que para ser delicado, não era o melhor Brasil da história. Todo mundo sabia disso, e fomos para Copa como alguém que não quer nada, e tanto não queríamos que a Globo demorou a fechar a cota de patrocínio.
E não me venham com politiquices, até porque interesse em Copa não tem droga nenhuma a ver com politização (esse assunto é bem irritante): os brasileiros não se empolgaram com a Copa porque perceberam que essa rapaziadinha era cintura-dura. Nem a convocação vaiaram. O que tínhamos era isso mesmo.
Faltou um meia de ligação? Quem? Luan, diriam os gremistas, "aaaah!" diriam os demais. Diego, diriam os flamenguistas, "aaaaah!" diria a outra metade do país. Faltou um volante xerifão, um Ralf da vida, principalmente para sentar a borduna em Lukaku quando este iniciou o mágico ataque que redundou no belo gol da Bélgica - o primeiro segundo gol no mesmo jogo que o Brasil levava sob Tite?
Faltou nada não, gente… foi do jogo. A Bélgica foi melhor por um tempo suficiente para vencer, e depois contou com a falta de pontaria, a falta de sorte, a falta do Daniel Alves, a falta do Casemiro, a falta da falta em Lukaku, enfim...
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Não foi uma tragédia. Uma tragédia nos remete a uma injustiça imensa, tanto que a tragédia é a mãe da blasfêmia: depois do desfecho trágico costumamos olhar para o céu, abrir os braços e perguntar "Qualé?" para o Criador.
Certo estava Kipling (1865-1936, poeta britânico - nota do editor)  quando se referia ao sucesso e ao fracasso como dois impostores: ao maior sucesso da história do futebol belga não correspondeu o maior fracasso do futebol brasileiro.
Não sendo nem uma zebra nem uma tragédia, resta à esta derrota ser apenas o que foi, ou seja, uma derrota. Por mais amargo que pareça, foi uma derrota normal - e talvez convenha entender que o Brasil possa ser normalmente derrotado no futebol, ainda que isso se dê raramente. O que devemos aprender com essa derrota? Só isso… que perdemos. Ponto.
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Planejamento tivemos o possível, tática e esquema tivemos os possíveis, improvisações, as mínimas possíveis. Tite poderia ser menos pernóstico? Talvez. Mas até o rodízio da faixa de capitão, jocoso para alguns, serviu para nivelar a responsabilidade para todos, num reforço ao coletivo, já que no individual só tínhamos um fora-de-série que chegou sem ritmo para a competição.
Ouvimos durante toda a preparação que a Seleção sem Neymar era um time comum, para só agora percebermos que a Seleção com Neymar também era um time comum - e, pelo amor de Deus, não por culpa dele.
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O que restou ao técnico? Apelar para Pompeu…
Dizer aos seus comandados que se sabiam indignos da herança de monstros sagrados que envergaram aquele manto, que era necessário honrar a travessia. E, já que não gozariam a conquista que tornassem a derrota digna, ainda que para isso "entregassem sua alma para lenha deste fogo". Que não esmorecessem - como não esmoreceram diante do primeiro gol belga (que nem belga foi, tendo sido uma obra coletiva de Fernandinho e Gabriel Jesus), nem diante do segundo.
Mesmo os reservas entraram para incendiar, e o fizeram, mas por detalhes ficamos apenas com a cabeçada consciente de Renato Augusto. Vimos o time seguir as instruções de Tite, de que navegar era preciso. O futebol, dado que limitado, não era preciso.
Pela primeira vez em Copas acordamos depois da eliminação sem achar que o universo virou do avesso e que Deus é injusto. Deus é justo, meus amigos. Aaaaah, é justo sim. E digo mais: é Pai e não é padrasto.
Tanto é que vai iluminar nosso Menino, o Mbappé, para que ele encha de gols a rede daquele goleiro vara-pau narigudo, fazendo aquela cambada de côiso perder até o rumo de Bruxelas.
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