18 de abril de 2014

O sete pecados capitais: A inveja

“Ciúme é querer manter o que se tem. Cobiça é querer o que não se tem. Inveja é querer que o outro não tenha.”
Zuenir Ventura
“É tão natural destruir o que não se pode possuir, negar o que não se compreende, insultar o que se inveja.”
Honoré de Balzac
cracha
Toca o despertador… são sete horas. Ainda é madrugada… segundo os critérios de horário definidos por Paulinho. Mas hoje é dia importante. Paulinho então levanta.
Lentamente, começa o seu ritual de todos os dias: olha pela janela para ver como está o tempo. Olha para a cadeira para ver se dona Gertrudes deixara sua roupa pronta e passada. Um terno preto, camisa branca, uma gravata de dois tons em azul.
O copo com água da moringa. Seu dia não começava sem um copo com água. Normalmente seu dia começava lá pelas 10h30. Hoje seria diferente.
Hoje Paulinho teria seu primeiro dia como funcionário da empresa de seu tio Libório. Não um funcionário qualquer… assistente.  Assistente do contas a pagar. A posição fora conquistada graças a alguns favores que seu tio devia à mãe de Paulinho. Pesou também o diploma que o Paulinho conquistara. Era agora um administrador de empresas formado. Faculdade de cidade pequena, era bem verdade. Mas graças ao trabalho da mãe na livraria da cidade, conseguira uma bolsa de estudos.
Após a formatura tentou trabalhar na contabilidade do Aguiar. Bastaram dois meses para Paulinho perceber que o seu Aguiar não era um visionário. E a posição de contínuo dentro da organização não era a mais adequada para um administrador.
“Bom mesmo era o emprego do Márcio” – pensou.
Márcio era seu amigo mais próximo na faculdade. Ao contrário de Paulinho, já trabalhava na faculdade como auxiliar de áudio-visual. O trabalho não era o melhor do mundo, tampouco a remuneração. Mas era suficiente para pagar as despesas da faculdade. Márcio não era bolsista e gastava quase todo o salário com a faculdade.
Com a formatura, Márcio pode se inscrever em um concurso da prefeitura e conseguiu uma vaga na secretaria de administração. Quase o triplo do salário anterior. E os benefícios… benefícios!
Enquanto tomava sua água, pensava que talvez pudesse acertar com o tio um horário mais flexível. Afinal, um assistente deve ter algum tempo livre para poder estabelecer contatos profissionais. Convenceria o tio com o argumento de que um bom assistente é aquele que tem networking.
Dois dias atrás, ele e Márcio estava fazendo compras no magazine Lourenço. Ambos precisavam de ternos e sapatos por conta de suas novas posições. Márcio estava preocupado pois não sabia se poderia comprar dois ternos pelo crediário. Como era verão, optou por comprar duas calças e quatro camisas. Optou por apenas um paletó e um sapato. O resto teria que esperar ainda uns dois meses, até receber seu pagamento. Paulinho usou o crediário da mãe. Comprou três conjuntos completos, dois sapatos e ainda uma calça jeans para os finais de semana.
– Sabe como é… Preciso causar boa impressão ao tio Libório. Logo ele se dará conta do bom negócio que fez em me contratar. É uma questão de tempo até ser gerente. Você vai ver!
– Não seria melhor você conversar com seu tio antes? Sei lá, não acha que terno e gravata é um pouco exagerado para trabalhar em uma fábrica de torneiras?
– Qual é… você vai usar terno e gravata no seu trabalho. Somos administradores… temos uma imagem para conservar.
– Sim, mas no meu caso o terno é uma exigência da função. Inclusive tem um pessoal na prefeitura brigando para mudar isso. Cidade pequena… não tem sentido trabalhar engravatado. Ainda mais com esse calor todo!
“Márcio não sabe o que está dizendo” – pensou. “Uma sala só para ele, mesa, computador, horário para almoço, telefone com ramal… o mínimo que ele poderia fazer era ir até Ribeirão e comprar seus ternos no shopping da cidade.”
– Você deveria ter ido à Ribeirão, comprar seus ternos no shopping. O que irão pensar de vocês com estes ternos aqui do Lourenço?
–  O mesmo que irão pensar do prefeito… ele é cunhado do Lourenço. E compra suas roupas aqui.
– Ridículo! Ele deveria ir até a capital e comprar suas roupas por lá. Ele é prefeito da cidade! Prefeito!
– Paulo… ele é prefeito de uma cidade de 15 mil habitantes… não o governador do estado. Só o que ele gastaria com a viagem torraria metade de sua verba de gabinete.
“Pobre Márcio… pensa pequeno”
– Preciso ver também um celular para mim. Destes com agenda de compromissos, aplicativos. Um igual ou melhor que o do Prof. Siqueira.
– Paulo, o Siqueira dá aulas em três cidades diferentes. Você vai almoçar na sua casa e trabalhar há 10 minutos a pé de lá. Para que você precisaria de um celular?
– Ora, Márcio! E se der algum problema com algum pagamento? Tenho que estar disponível para resolver.
Paulinho agora estava no banheiro. Tomou banho rápido e morno. “Para ficar bem disposto”, era sua teoria. Na mesa, o celular de quase R$ 500 ainda estava carregando. Não era exatamente igual ao do Prof. Siqueira, mas era o que o crediário de sua mãe permitia.
Vestiu seu terno, calçou os sapatos… “Um relógio… precisarei de um com pulseira de couro para combinar com o terno”. Desceu para mesa do café. Sua mãe já tinha saído, mas deixara café quente na garrafa térmica, pão e frios. Além de um bilhete desejando boa sorte.
Paulinho comeu rápido. Já era quase 07h40. Pegou sua pasta vazia, colocou ali uma agenda de compromissos, sua carteira e seu celular. E saiu pela rua.
No caminho viu que muita gente já havia tinha saído para trabalhar. Passou em frente à casa do Márcio. Ele ainda não saíra para trabalhar. Entrava apenas as nove da manhã na repartição. Ele varria a calçada.
– Muito bem, Dr. Paulo! Quanta elegância! Está pronto para conquistar o mundo das torneiras?
– Claro… eu me preparei para isso nos últimos cinco anos! A vice-presidência é uma questão de tempo.
Riram a valer. Márcio sabia que o negócio de torneiras do Libório não era muito grande e que Paulo havia sido contratado mais como um favor do que uma necessidade. O Atílio que cuidava das coisas do banco para a fábrica era mais do que suficiente, mas em alguns anos ele iria se aposentar. “Quem sabe o Paulo não se ajeita por ali?”.
Combinaram de almoçar juntos.
Ao chegar na pequena fábrica, Paulinho foi logo para a sala do Atílio. Ele já estava lá desde as 07h00. E não usava terno.
– Onde fica minha mesa? – Perguntou?
– Bom dia, Paulo. Seja bem-vindo!
– Ah sim, bom dia… hã… bom, vamos trabalhar na mesma sala?
– Bom Paulo, ainda estamos nos ajeitando por aqui. Sabe como é seu tio. Me avisou na quinta-feira que você começaria hoje. Ainda estou organizando algumas tarefas pra você.
Paulo ficou um pouco contrariado. Teria que trabalhar na mesma sala do seu chefe e ainda dividir uma mesa com ele? O Márcio não teve que passar por isso. Quando chegou na repartição, lhe deram uma sala, uma mesa, um computador!
– Atílio, onde está o computador?
– Hã?
– O computador. Você usa um pra organizar as contas, não?
– Ah sim… tem um na sala ao lado. Você não está com calor com este paletó?
– Estou bem… bom se há uma sala ao lado, acho que posso me arrumar por ali.
– Paulo, aquela sala é uma sala de reuniões. Utilizamos a sala para receber clientes, fornecedores. Não temos tanto volume de documentos assim que justifique ter um computador para cada um.
“Precisarei mudar muitas coisas aqui”. Paulinho sacou a agenda da pasta e anotou um compromisso para o próximo sábado: ir até Ribeirão comprar um laptop.
– Seu tio não virá hoje de manhã. Foi acompanhar uma entrega em Ribeirão. Se você puder me ajudar com estes envelopes aqui.
– Não vou conhecer os colegas da seção?
– Eu sou seu colega da seção. Aqui na administração, além do seu tio e eu, temos a dona Filó que é nossa secretária e cuida do RH, o Pedro e o Mesquita que são os vendedores externos e raramente estão na empresa, além da dona Gina que cuida do cafezinho e da faxina. Na produção temos o Daniel, o Silvio, o Ataliba, o Donizete e o seu Tobias que cuida das máquinas. O Manoel e seus filhos fazem o transporte das cargas. E agora temos você.
“Isso não está certo… uma única pessoa para limpar e fazer café? O Márcio tinha uma salinha do café. Dona Filó do RH?”
- Depois preciso que você leve seus documentos para que a Filó dê entrada no seu registro. Você pode usar o armário para guardar suas coisas. Tem certeza que não está com calor?
– Fique tranquilo. Acho que você pode cuidar dos envelopes. Vou até o computador para me familiarizar com o sistema de contas.
– Não há muito o que ver. É uma planilha separada por fornecedor, classificada por data do pedido e data do pagamento. Neste momento, preciso separar os cheques por envelope para cada um dos fornecedores. São os pagamentos desta semana. Se você puder me ajudar, depois poderemos tomar um café quentinho.
“Eles não têm um sistema próprio? Em que mundo vivem? O Márcio mesmo já me falou que tem até um login e senha próprio para usar lá na prefeitura”
– Quando o senhor fez faculdade era bem diferente pelo visto…
– Faculdade? Não sei… eu não fiz, sou formado técnico em contabilidade. Você vai me ajudar com os envelopes?
Paulinho deu um suspiro…
Horas depois, Paulinho foi ao encontro de Márcio para almoçarem.
–  Gravata afrouxada? Eu disse a você que o calor era infernal.
– Não é o calor. Eu me demiti.
– Como assim? Você começou hoje!
– Márcio… você está vivendo no paraíso. Eu queria ter é o seu emprego! Você tem uma sala, computador, mesa, sala para o café… Ah, Márcio… você sim tem um emprego bom.
– Você está louco? Você não vai ganhar a mesma coisa que eu, isso é verdade, mas pense bem. Você iria trabalhar até as 16h00 na empresa do seu tio. Teria um trabalho leve, pouca responsabilidade, não precisa usar terno e gravata, pode almoçar em casa todos os dias e poderia aproveitar o tempo livre para fazer outras coisas.
– Márcio…
– Eu fico todos os dias até as 19h00, sou obrigado a usar terno e gravata, tenho que atender o público e posso responder por eventuais omissões. Lá você tem o Atílio para te ensinar tudo. Eu preciso ficar lendo dúzias de manuais e não tenho como recorrer a alguém porque o cara que ocupava o cargo anteriormente, se aposentou e se mudou para Ribeirão.
– Mas Márcio…
–  Não entendo… o meu emprego é como outro qualquer. Você queria o meu emprego? Pois eu queria é o seu emprego! Queria ter esta tranquilidade para poder ter algum tempo pra mim… Afinal de contas, por que você resolveu se demitir? O Átílio é muito rígido?
– Não…
– Eles te obrigaram a trabalhar um tempo sem registro?
– Não…
– Você descobriu alguma falcatrua?
– Não… meu tio e o Atíilio foram coroinhas da igreja… jamais fariam isso.
– Então… o que aconteceu?
– Eles não usam crachás!

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