10 de agosto de 2013

Medicina em 8 anos e sobre o “Mais Médicos”

Antes de iniciar, quero deixar bem claro que:

1) Fui estudante de medicina há mais de 10 anos atrás

2) Não sou médico

Quis deixar isto claro porque tenho consciência de que muita coisa mudou desde que saí de Campinas. Não sou um especialista sobre a realidade atual dos médicos e seu mercado de trabalho. Corro o risco de ter uma opinião equivocada por estar desatualizado nestes assuntos.

Mas ainda assim, é minha opinião…

De qualquer forma, independente de minha opinião, caberá ao meu amigo Michel opinar como o contra-ponto da questão, corroborando ou refutando os pontos aqui apresentados.

Além disso, muita gente falou sobre isso. Elogios, críticas, pitacos, xingamentos, protestos. Opinar no calor do momento nem sempre é uma medida segura. Preferi então esperar os fatos ficarem um pouco mais sólidos, para então opinar.

Com estas ressalvas em mente, vamos ao texto…

O governo fez uma tentativa desesperada de diminuir o impacto negativo causado pela onda de protestos nas ruas com algumas medidas demagógicas. Em sua visão míope, entendeu que apresentar uma solução para questões sensíveis como saúde e educação seria uma grande sacada.

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E então, na área da saúde, vieram duas pérolas…

A primeira: uma alteração na formação médica com a criação de um “estágio” (não encontro melhor palavra) compulsório no SUS. A justificativa seria de aproximar a formação do médico com a realidade enfrentada pelos brasileiros, tornando a formação médica mais “humana” (?!?!? Alguém explica isso?). Além disso, seria um estágio remunerado e o tempo dedicado a isto poderia ser utilizado como tempo para residência médica em algumas especialidades.

A segunda: a criação de um programa (chamado de “Mais médicos”) onde o governo faria a contratação de 10 mil novos médicos que atuariam em regiões mal atendidas pelo SUS (periferia de grandes cidades e municípios do interior). Estas vagas serão ocupadas por médicos formados que aderirem ao programa. Em uma segunda etapa, vagas remanescentes seriam preenchidas por médicos estrangeiros.

Também foram apresentadas outras “mumunhas” como as mudanças nos critérios de revalidação de diplomas médicos, criação de novas para medicina em universidades federais e estímulos para criação de cursos médicos em regiões estratégicas.

Devo dizer que sou contra as duas coisas… explicarei o que penso.

Sobre o tal estágio obrigatório…

Em meus tempos de faculdade de medicina, lembro que o curso médico era dividido em três grandes segmentos de dois anos cada: um ciclo básico com disciplinas como anatomia, fisiologia, bioquímica e outras ciências básicas da saúde; um ciclo intermediário com disciplinas voltadas ao aprendizado médico (semiologia, propedêutica, patologia, farmacologia) e por fim, um ciclo de aprendizado prático sub-dividido em grandes áreas (pediatria, cirurgia, tocoginecologia, clínica médica, etc…) que também é conhecido como internato.

Após os 6 anos do curso médico, a maioria… a maioria mesmo… buscaria uma formação complementar muito necessária para a especialização. É a residência médica, que varia em duração de acordo com a especialidade e com as aspirações do jovem médico.

De modo prático, em mais ou menos 10 anos de estudos você prepara um estudante para a prática da medicina com algum grau de especialização. E convenhamos, dez anos é um tempo de formação considerável.

De acordo com a proposta do governo, seriam acrescidos outros anos para um estágio obrigatório no SUS. O mesmo SUS que tem carências de pessoal e material. Não são poucas as notícias relatando sobre o estado precário da infra-estrutura da rede pública de saúde.

O que eu enxergo é: uma tentativa ridícula de contratar mão-de-obra qualificada barata. Porque – no final das contas – temos médicos se formando todos os anos. Se o estágio é obrigatório, o governo garantiria só com esta medida, 13000 novos médicos (o número médio de formandos por ano) atendendo em sua rede pública.

Creio que a maioria das faculdades públicas formam bons médicos. Claro que não é possível abranger todas as possibilidades em seis anos de formação inicial e nem com alguma especialização isto é alcançado (a experiência vem com o tempo). Nem todos os médicos também têm a vocação para pesquisa. Alguns querem apenas praticar medicina (temos aqueles que estão por lá fazendo número também, mas isto é outra história) e ganhar a vida com isso.

Ao fazer isso, o governo mascara o problema real: a falta de condições para se trabalhar na rede pública de saúde, principalmente na saúde básica. A não valorização de seus profissionais (salários baixos, sem perspectivas de carreira). Fica complicado praticar boa medicina se faltam todos os elementos básicos para a boa medicina (médicos estimulados e competentes, um aparato de saúde complementar adequado, uma rede eficiente de saúde preventiva).

Mas tudo isso é sobreposto por algo ainda pior: a obrigatoriedade… o caráter compulsório do tal estágio. Imagine um cidadão que investiu tempo e dinheiro em uma boa faculdade particular (sim, elas existem). É justo que após todo este investimento ele ainda precise pagar um tributo ao governo (no caso, dois de sua vida profissional) para que ele possa enfim ser um profissional que ganha a vida com a medicina?

Felizmente, no momento em que escrevo este texto, o governo – após uma enxurrada de críticas de quem entende de ensino médico (inclusive minha querida Unicamp através de uma carta aberta por meio de sua Congregação) – voltou atrás e agora que o tal estágio funcione como uma residência médica. Ainda não é lá muito justo. Mas já é um começo.

Ok… e quanto à contratação dos médicos?

Não se faz medicina somente com um médico e seu estetoscópio. Aliás, não se faz saúde só com médicos. Um bom projeto de saúde implica em um projeto multidisciplinar de qualidade… médicos, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, terapeutas, fonoaudiólogos… não dá pra pensar em saúde básica só com a imagem do médico em seu dispensário atendendo a tudo e a todos com seu conhecimento secular adquirido nos tratados de medicina.

Também não dá pra pensar em saúde pública sem pensar em macas, leitos, hospitais, posto de saúde equipados com recursos mais elementares (máquina para ECG, um serviço básico de radiologia, nebulizadores e outros itens necessário para um atendimento básico.

Contratar médicos é sim uma ideia plausível, mas não é plausível pensar que só isto resolverá o problema. Além do que, abriu-se a porteira para os médicos de formação duvidosa… aquele pessoal que vem de faculdades andinas (como os cursos da Bolívia) ou então de Cuba (com suas fábricas de formar médicos com turmas de mil alunos e que dão ênfase principalmente aos cuidados básicos que não permitem o pleno exercício da medicina dado o seu caráter limitado). Aliás, isto é oriundo de um acordo do pessoal do partidão (o pessoal do PT) para conseguir cumprir algumas promessas eleitoreiras feitas no passado.

Aliás, os médicos estrangeiros interessados neste programa, estarão dispensados do REVALIDA (programa de validação de diplomas para médicos formados fora do país). Neste caso, o inscrito terá uma inscrição provisória no CRM.

Das 15460 vagas oferecidas, só 938 foram preenchidas por médicos formados no Brasil. Será uma segunda seleção e após isso, serão inscritos os médicos “estrangeiros”. Quantos mais virão? Mais mil? Então, após isso, teremos uma enxurrada de médicos estrangeiros que sequer comprovaram sua capacidade para praticar medicina atendendo no SUS a população carente.

O problema não será resolvido, mas o PT terá um grande mote para se manter no poder. Poderá propagar a falácia de que resolveu o problema da falta de médicos no Brasil.

Resolveu?

Creio que não…

Assim, concordo com a posição do Dr. Dráuzio Varella sobre a questão: o sistema de saúde é complexo e carece de uma solução mais abrangente. A distribuição dos médicos no Brasil (e também das oportunidades de trabalho) é muito mal feita. Não há como resolver o problema (oferecer saúde ampla, irrestrita e de qualidade a qualquer brasileiro) com esta medida. Talvez ajude a desafogar o combalido sistema único de saúde. Mas é apenas uma medida demagógica.

E que venha o contra-ponto…

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