8 de agosto de 2013

Noé, a arca e o profissionalismo

A internet está repleta de filósofos amadores… são frases prontas aqui e ali que teoricamente deveriam induzir o leitor a uma reflexão profunda sobre um determinado tema.

Filosofam sobre tudo: o amor, a economia, a sociedade, a ciência… Quando vejo frases deste tipo logo penso que ali temos uma pretensa mente brilhante. Alguém que devotou parte de sua vida ao estudo do ser humano, da civilização, da existência. E após muito tempo, tem uma grande sacada.

Coisa que é restrita aos gênios, em minha humilde opinião…

Pois bem, navegando pela internet encontrei uma destas pérolas da sabedoria popular. Reproduzo a seguir o pequeno fragmento que, em tese, deveria ser capaz de alterar paradigmas:

“Se algum dia lhe disserem que o seu trabalho não é o de um profissional, LEMBRE-SE: amadores construiram a arca de Noé e profissionais… o Titanic!”

Uau… preciso de um momento para me recompor.

… um momento …

Pronto…

Agora vamos aos fatos…

Fatos! Isso me faz lembrar: a arca de Nóe é praticamente uma fábula da cultura judaico-cristã. Vejamos o que diz a Wikipedia:

Conforme a tradição bíblica, Deus decidiu destruir o mundo por causa da perversidade humana, mas poupou Noé, o único homem justo da Terra em sua geração, mandando-lhe construir uma arca para salvar sua família e representantes de todos os animais e aves. A certa altura, Deus interrompeu o Dilúvio, fazendo as águas recuarem e as terras secarem. A história termina com um pacto entre Deus e Noé, assim como com sua descendência.

Essa história tem sido amplamente discutida nas religiões abraâmicas, surgindo comentários que vão do prático (como Noé teria eliminado os resíduos animais?) ao alegórico (a arca representa a Igreja como salvadora da Humanidade em decadência). A partir do século I, vários detalhes da arca e da inundação foram examinados por estudiosos cristãos e judeus.

Mas, no século XIX, o desenvolvimento da Geologia e da Biogeografia tornaram difícil sustentar uma interpretação literal da história. A partir de então, os críticos da Bíblia mudaram sua atenção para a origem e os propósitos seculares da arca; no entanto, os intérpretes literais da Bíblia continuam a ver a história narrada como chave para sua compreensão da Bíblia e agora exploram a região das montanhas do Ararate, no nordeste da Turquia, onde a arca estaria descansando.

Minha formação religiosa é baseada no catolicismo; li a Bíblia e acho a história da Arca bem legal. Demonstra uma série de lições que devemos tomar em um plano: o espiritual. E apesar de ser uma bela história ainda não apresenta fatos que comprovem sua existência. Existem pesquisas, hipóteses, mas nenhuma afirmação definitiva.

Acreditar nela é uma questão de fé… eu tenho fé e por isso creio realmente que ela existiu de alguma forma e em algum lugar…

690px-Noahs_Ark

Agora vamos o Titanic… um enorme navio construído no início do século XX. A mesma Wikipedia traz alguma informação sobre isso:

O RMS Titanic foi um navio transatlântico da Classe Olympic operado pela White Star Line e construído nos estaleiros da Harland and Wolff em Belfast, na Irlanda. Na noite de 14 de abril de 1912, durante sua viagem inaugural, entre Southampton, na Inglaterra, e Nova York, nos Estados Unidos, chocou-se com um iceberg no Oceano Atlântico e afundou duas horas e quarenta minutos depois, na madrugada do dia 15 de abril. Até o seu lançamento em 1912, ele fora o maior navio de passageiros do mundo.

A informação chave neste excerto está na expressão “Classe Olympic”. Na tradição naval, um navio pertence a uma determinada classe (que nada mais é do que as características do navio). Assim, navios que possuem características semelhantes pertencem a mesma classe. E o nome da classe é dado pelo primeiro navio que foi construído.

Se você acompanhou meu raciocínio, deve ter percebido o óbvio: existiram outros Titanics. Pouparei o leitor do trabalho de procurar e me adianto: existiram três navios da classe Olympic. São eles o RMS Olympic, o HMHS Britannic e o RMS Titanic. Na foto abaixo temos o Titanic e o Olympic atracados. Percebam que eles são praticamente iguais.

796px-Olympic_and_Titanic

Portanto, os profissionais ditos “incompetentes” não construíram um, mas três navios. Será que todos eles naufragaram?

A história diz que não. O Olympic tem uma história gloriosa: construído em 1907, fez sua viagem inaugural em 1911 e após algumas viagens, um pequeno acidente com um navio da marinha britânica fez com que ele fosse recolhido para reparos. O fato de ter resistido ao acidente contribuiu para o mito de navio inafundável herdado por seu irmão Titanic.

Depois disso o Olympic foi incorporado a marinha britânica durante a I Guerra Mundial como navio de transporte (sendo renomeado para HMT Olympic) e após a guerra voltou a operar como navio transatlântico de linha e depois como navio turístico. Foi descomissionado em 1935, quando foi desmontado.

O navio serviu muito bem a seu propósito por quase 25 anos… seria esse um fracasso profissional?

O Britannic foi incorporado à marinha britânica durante a guerra, serviu como navio hospital no período de guerra. Em suas viagens como navio hospital ele transportou cerca de 5000 soldados feridos. Convém lembrar também que, durante sua construção, ele incorporou diversas melhorias por conta da tragédia com o Titanic. Coisas que profissionais fazem: aprendem com seus erros para que eles não voltem a acontecer.

Britannic_sinking

A história do Britannic resultou em naufrágio, mas não por conta de sua estrutura ou erros projetos de seus profissionais: ele foi afundado por uma mina submarina alemã quando iniciava sua sexta viagem em busca de soldados feridos em combate no ano de 1916. No dia do naufrágio, 1 036 pessoas foram salvas e 30 perderam a vida (2,8% de vítimas). Quando o Titanic naufragou, o percentual de vítimas foi de 68,2%.

Repito: profissionais aprendem com seus erros.

E quanto ao Titanic? É… esse realmente afundou. Mas creio que o naufrágio aconteceu não por conta de um navio mal construído e sim pela arrogância de quem o conduzia. Uma noite de mar em calmaria em uma região que sabidamente continha blocos de gelo e o seu capitão insistiu em manter a marcha apenas desviando a rota.

Deu no que deu… Foi um acidente infeliz, disso não tenho dúvida, mas causado pela arrogância de seus condutores.

Assim como é muito arrogante comparar uma história de fé com um naufrágio onde vidas foram perdidas. A “inteligência” que concebeu esta pérola da filosofia barata poderia ao menos se informar antes de se expressar. O Titanic não foi fruto de uma única cabeça e tampouco um projeto singular. Seu acidente serviu para que surgissem novas diretrizes de segurança, novos paradigmas na construção de navios. Tornou a navegação mais segura.

Os arrogantes que afundaram o Titanic deram oportunidade aos profissionais que o conceberam de perceber seus erros e aprender com os mesmos.

Assim como o arrogante que criou esta máxima(bem como aqueles que propagaram a pérola) deu-me a oportunidade de criar este texto…

Quem acredita que uma atitude profissional não é adequada em um ambiente de trabalho, é porque desconhece seu trabalho e sua função em uma organização. Uma sugestão: vá aprender seu trabalho primeiro, mantenha o seu navio flutuando. Pelo menos aprenda com seus erros… quem sabe sua vida profissional melhore.

Quem sabe aprenda a ser um profissional…

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