NOTA DO EDITOR: Apesar do nosso Michel Vieira ser colaborador antigo aqui no UBQ, hoje ele estreia uma coluna de personalidade. Algo que remonta nossa história acadêmica nos tempos da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP. Sejam bem-vindos à nossa releitura do nosso querido suplemento cultural do jornal “O Patológico”. E sempre com o mesmo espiríto: “O livre pensar… é só pensar!” Fiquem então com o nosso SPASMO! revisitado aqui no UBQ.
Curto e seco, respondendo à pergunta do texto… para a gente ficar feliz. Todo prêmio é assim. Esse também, como qualquer Nobel. É massa gostar e almejar este Prêmio. Jeca é não tê-lo. Batemos na trave em todas as outras categorias - até na Economia. Na Literatura não.
Há uma lenda que Jorge Amado teria sido considerado até na última hora em 1967, perdendo nos acréscimos para Miguel Angel Astúrias, da Guatemala. É, da Guatemala. E bem melhor que Jorge Amado. Jorge Amado é um saco, caso dos únicos em que as novelas baseadas nos seus livros são melhores que os livros.
Se houve mesmo esta contenda, foi justa em favor do guatemalteco - autor de “Homens de Milho”, livro que não tem nenhuma edição no Brasil. Dá para baixar um pdf com uma edição portuguesa.
O livro nos atropela pela história e estilo, além de ser uma das sementes do Realismo Mágico, florescida com muita força em outro vencedor do Prêmio, Gabriel Garcia Marquez, da Colômbia. "Cem anos de solidão", "O amor nos tempos do cólera" os livros de contos são obrigatórios para tomarmos contato não só com uma escrita surpreendente mas para nos reconhecer, para ver ali desnudada nossa alma sulamericana. Assim também acontece com Astúrias. Tanto um como outro foram universais cantando suas gentes.
Contar sobre sua gente, eis a chave. A Academia Sueca gosta de quem traduz para o mundo o lugarejo onde vive, fazendo reluzir o caquinho que aquilo representa no mosaico da humanidade. Nenhuma arte faz isso como a Literatura. Mas será que neste rincão não houve quem cantasse as desmaravilhas deste rincão? Guimarães Rosa não fez isso? João Cabral de Melo Neto? Lima Barreto? Graciliano? O próprio Jorge Amado? Sim, fizeram, todos estes aí. Como fez Jorge de Lima – mas este requer um parágrafo só para ele.
Sim, ele manteve contato com um membro da Academia Sueca que chegou a colocá-lo "na fila" para o prêmio, estando mais ou menos tudo previsto para a premiação ser entregue lá pelo final dos 50. Tudo ia bem até o começo dos 50, mais precisamente em 52, quando nosso postulante morreu.
Jorge de Lima era um poeta diletante, seus ganhos vinham do consultório - era médico. Pode ser que essa história seja um exagero anedótico, visto que ele nem na Academia Brasileira de Letras conseguiu entrar. Mas "A invenção de Orfeu" é nossa maturidade cultural. Devia ser lida como se ouve um hino. Estaria o Prêmio em boas mãos.
O que nós nunca conseguimos fazer na plenitude foi transformar em ficção os grandes temas, as grandes épocas ou mesmo as mais comezinhas de nossa história. Érico Veríssimo tentou em "O tempo e o vento", mas foi um soluço. Euclides da Cunha fez um relato jornalístico soberbo em "Os Sertões", depois recontado numa cadência de romance em "A guerra do fim do mundo", projeto ousado de Mario Vargas Llosa que redundou num belíssimo livro, a encher de orgulho nós os brasileiros, e... eles, os peruanos, conterrâneos de Llosa, também congratulado com o Nobel.
Nossa Literatura é mais dada ao panfleto, aos conflitos pueris - soa ingênua muitas vezes. Não ousa, não rompe, sequer tenta. Não tendo a coragem de contar nossa história na forma ficcional, deixa uma lacuna e com isso se apequena.
Bem se diga a favor de certo engajamento ideológico, que impulsionou Jorge Amado, certamente este pesou na premiação dos dois chilenos ganhadores do Nobel – Gabriela Mistral e Pablo Neruda. Sim, aquela tripinha de país, com todo respeito, tem um "bicampeonato", com ganhadores que, também com todo respeito… deixa pra lá (vai parecer inveja).
Sobre o mexicano Octavio Paz, que fecha a lista dos latino-americanos a receber o Prêmio, tenho a dizer pouco, nunca o li – queiram me desculpar.
Mas houve Jorge Luís Borges. O argentino não recebeu o Prêmio, e consta que ficou triste por isso. Coisa de argentino, mas injustiça também. Nem isso temos. Não há um clamor mundial como houve com Borges para um brasileiro deter a láurea. Nossa literatura ainda não fez por merecer o raio do Prêmio e pronto.
Prêmio que aliás, esse ano, foi para... ninguém. Houve uma denúncia de pedofilia, ou outro escândalo sexual qualquer, sei lá, atingindo um dos membros da comissão que escolheria o escriba vencedor. O negócio pegou em cheio a rapaziada e, diante do climão, 2018 passará para a história como um ano sem Nobel de Literatura.
Envoltos que estamos nessa verborragia pré-eleitoral nem demos pela falta da premiação. Uma pena que não houve, seja lá por qual motivo. Mas a gente nem ligou por aqui.
Talvez porque não ganharíamos mesmo...
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