De alguma forma, eu tenho tomado muito cuidado para evitar discussões sobre temas espinhosos ou muito controversos. Isso pode parecer contraditório para alguém que se propõe a ser o editor de um blog de opinião e que publica um canal no YouTube e também um podcast.
Mas a verdade é que depois de tantos anos eu aprendi que neste mundo virtual, dificilmente você conseguirá convencer pessoas que já trazem ideias pré-concebidas contrárias aos seus argumentos.
Eu já disse em episódio do podcast…
“Eu tenho uma opinião muito clara sobre isto... é muito difícil conviver em sociedade. E acho difícil porque nem sempre suas opiniões são um consenso ou então porque suas opiniões são polêmicas... Por exemplo... acho que todo mundo concorda que o nazismo não é uma ideologia aceitável. Nem todo mundo concorda se é o PSDB ou PT que possui o melhor plano de ideias... Para resumir... Política, Religião, Futebol, Identidade Sexual e comportamento social, Economia... são assuntos que geram discussão... seja pela sua fundamentação teórica, seja pela quantidade de pessoas que compartilham da mesma opinião... não há consenso.”
(Extraído de “Um Papo Qualquer – Episódio #4)
Por saber disso, eu tomo muito cuidado ao falar sobre estes temas. É simples: a falta de consenso e também de bom senso gera um sem número de discussões e implicâncias.
E no mesmo podcast, eu ainda disse:
Me incomoda esta guerra de pensamentos e opiniões. Me incomoda esta mania das pessoas querendo ter razão o tempo todo em tudo.
Sei lá... acho que a vida já me ensinou esta lição: eu prefiro ficar em paz. Porque a briga vai me consumir, vai criar um desgaste e o outro lado não necessariamente está disposto a ouvi-lo.
E falar para as paredes é realmente deprimente.
(Extraído de “Um Papo Qualquer – Episódio #4)
Mas vamos a história que me fez escrever todo este texto…
Hoje pela manhã, tive a oportunidade de assistir ao vídeo produzido pelo Felipe Castanhari para o seu canal Nostalgia. Trata-se de um vídeo da série sobre ciência que ele produz para seu canal onde ele comenta, junto com a Nilce Moretto do canal "Cadê a Chave” e o Leon Martins do canal “Coisa de Nerd” sobre o “mito” da Terra Plana.
Por incrível que possa parecer, ainda existe hoje em dia pessoas que acreditam em conceitos que a ciência já provou de forma definitiva sua inconsistência… pessoas que acreditam na teoria da geração espontânea, que diz que a vida é gerada de matéria não viva (ok… pode até ser válida para explicar a origem química da vida, mas não a sua continuidade, como proposta por Aristóteles, que se baseou nas ideias de Anaximandro); que acreditam que o homem não foi capaz de realizar a viagem à Lua; que insistem no criacionismo como explicação biológica para o surgimento da vida. E ainda existem aqueles que acreditam que a Terra é plana.
Quero falar um pouco sobre isso… mas antes, preciso falar um pouco sobre o pensamento científico…
Ok… um pouco de história
Em algum momento de sua história, o ser humano passou a observar o ambiente em que vive. Desta observação, ele criou conceitos para explicar o mundo à sua volta.
Apesar de isto ser uma grande qualidade, nem sempre a explicação encontrada para os fenômenos naturais era totalmente adequada. Podiam servir para uma ou outra situação. Mas nem sempre explicava com segurança ou precisão necessárias todas as situações.
Vamos dizer então que o ser humano ao tentar explicar os fenômenos que o cerca, dava palpites. E vez ou outra, a observação resultava em um acerto. Vez ou outra em erro.
Assim, o homem aprendeu a buscar e cultivar alimento, a manusear argila, usar metais, construir abrigo, entender as estações do ano, descobrir novos meios de sobrevivência em seu ambiente.
Em algum ponto do caminho, o homem passou a racionalizar suas escolhas e também a questionar os motivos. Onde? Como? Por que? Quando? Quem? O que?
E diante da necessidade de uma explicação para os fatos, do desejo de investigar e entender as questões fundamentais da natureza, surgiu aquilo que se chama de Filosofia.
Surge o pensamento… e existe todo um campos de estudo sobre a filosofia. Sobre as correntes filosóficas, etc… e eu confesso que não tenho todo o conhecimento necessário para discorrer sobre o tema.
Mas acho que é suficiente para dizer que, os pensadores em algum momento tentaram explicar a natureza de fenômenos específicos: como surgem as doenças? Como é formada a chuva? Por que existe o dia e a noite? Por que algumas plantas são venenosas e outras não?
Como diria a Luna em um episódio do “Show da Luna”, são tantas perguntas…
As primeiras explicações vieram da observação pura e simples. Com o advento da filosofia, os filósofos buscavam conjecturas que explicavam os fenômenos de forma coerente e lógica.
O problema é que após algum tempo, algumas pessoas notaram que nem sempre uma explicação filosófica respondia adequadamente a existência de um fenômeno, ou então só o explicava em parte…
A teoria da geração espontânea (abiogênese) de Aristóteles explicava somente em parte a origem da vida… A divisão da matéria por Demócrito (sugerindo a existência de uma partícula indivisível… o átomo) só explicava até certo ponto o comportamento da matéria.
De certa forma, a Ciência como campo de conhecimento surge da necessidade do homem em responder de forma satisfatória aquilo que apenas as conjecturas filosóficas não conseguem responder.
Em algum momento, o pensar não era apenas suficiente. Era necessário tentar, experimentar, provar… surgem os primeiros estudiosos da ciência que não apenas formulam ideias, mas também observam se elas são aplicáveis.
Ou seja, o ser humano deixa de simplesmente aceitar cegamente as ideias e passa a testá-las, ainda que de forma rudimentar e imprecisa. Saímos dos silogismos aristotélicos tradicionais e caminhos para o surgimento de um método científico.
E claro que não foi um caminho linear e curto. Egito antigo, Grécia antiga e também na antiga Arábia, surgiram os primeiros cientistas que tentavam organizar o conhecimento com algum formalismo científico.
Este formalismo começou a tomar os contornos daquilo que conhecemos hoje como método científico a partir dos trabalhos de Francis Bacon com o seu “Novo Organum”, uma clara referência à obra de Aristóteles “Organom” (com “O” mesmo).
Ainda temos as ideias de Auguste Comte, fundador do positivismo. Vou dizer apenas que em seus trabalhos, ele defende que os fenômenos não dependem das vontades divinas ou do homem. Ele estabeleceu a “Lei dos três estados” que – segundo ele – rege o pensamento da humanidade e que divide o pensamento em três fases: a teológica, a metafísica e a positiva.
O método científico
Tal como conhecemos, o método científico tem sua origem clássica atribuída aos trabalhos de René Descartes com o seu ensaio “Discurso do Método”. É uma obra essencial para todo e qualquer estudante de qualquer área do conhecimento.
A partir dos trabalhos de Descartes, vemos o surgimento da ciência formal, com utilização de método e experimentação para chegarmos a uma explicação coerente de um fenômeno da natureza. Isto não descarta o pensamento filosófico, pois todo o trabalho do método científico começa com a observação do fenômeno, assim como na filosofia.
A grande diferença, é que para o fenômeno observado e para a conjectura formada para a explicação do fenômeno, há a experimentação, há a obtenção de resultados, há a descrição e análise destes resultados, há uma provável explicação amparada nestes resultados e só aí é que surge uma possível resposta (explicação para o fenômeno).
Em resumo, temos:
CARACTERIZAÇÃO – HIPÓTESES – PREVISÕES – EXPERIMENTOS – CONCLUSÕES
Repare também que eu mencionei a expressão possível resposta. Eu digo isso, porque nenhum conhecimento é definitivo e imutável. O átomo já foi uma esfera indivisível e hoje é um conjunto de partículas fundamentais num espaço vazio.
As doenças tinham causas essencialmente espirituais e hoje sabemos que muitas delas são causadas pelo contágio de microorganismos.
Aliás, isto é um mote para falarmos em outra questão: as descobertas acidentais. Nem sempre tudo é descoberto com excessivo rigor formal… Por exemplo, a descoberta da penicilina só aconteceu por que o Alexander Fleming esqueceu algumas placas com culturas de microrganismos em seu laboratório e estas foram contaminadas por um tipo de bolor do gênero Penicillium. Ele percebeu que o crescimento do fungo inibia o crescimento dos microorganismos. E só a partir daí é que ele passou a estudar o fenômeno (que na verdade foi acidental) para então descobrir algo que revolucionaria a medicina… os antibióticos.
Vê-se então que a ciência não é simplesmente um achismo ou então uma coletânea de ideias aceitas sem nenhuma contestação ou análise. A ciência é algo que prescinde de observação, algum ceticismo, muita crítica e incansável estudo.
Ok… e onde entra a fé nesta história?
Pois é… observando a história da civilização, temos as religiões como uma forma de pensamento e também como uma maneira de explicar os fenômenos da natureza incompreendidos pelo homem. Em muitos aspectos, a religião não é somente um apanhado de ideias filosóficas sobre entidades superiores ao ser humano ou então uma simples explicação atribuída ao poder, conhecimento e presença de uma ou mais entidades (Deus ou Deuses, sem me preocupar neste momento com ideologia de gêneros ou nomes dados a eles).
Não é raro encontrarmos exemplos na história onde a crença nestas entidades e seus desígnios são dadas como resposta às nossas arguições. Frases como “Deus quis assim”, ou então “É a vontade de Deus” vão contra – sem querer desrespeitar a fé das pessoas – o método científico.
É nesse ponto que eu vou retomar as ideias do Comte… Ele estabelece que primeiro a humanidade buscou as respostas para explicação de fenômenos na ação divina (estado teológico). Posteriormente, a evolução do pensamento humano levou a uma transição para a crença em agentes sobrenaturais, em forças abstratas personificadas (estado metafísico) e que por fim, deu origem ao estado não dependem mais das divindades ou então do homem. É o estágio científico.
Ter fé é importante para o ser humano. Ajuda a encontrar calma e serenidade nas adversidades, nos trás alívio e compreensão sobre questões espirituais.
Mas a fé não pode ser encarada como ciência empírica. Fé não é tentativa e erro. Fé é acreditar em algo que nem sempre é tocável ou visível.
A fé nos dá sentido em nossa existência. Em nosso reconhecimento como ser humano e consciente. É o que nos dá algum alento. Espiritual… não científico.
E agora eu volto à questão que deu origem a todo este texto…
A Terra é plana?
Apesar dos esforços dos chamados “Terraplanistas” em usar simples argumentos retóricos para demonstrar que vivemos em um plano, temos inúmeras evidências científicas provando que a Terra é uma esfera (imperfeita, é verdade) e que em razão da dimensão do planeta, temos a ilusão de que estamos em um plano.
Então… não… a Terra não é plana. Veja o vídeo do canal nostalgia e entenda o porquê.
O vídeo em questão simplesmente demonstra isso com fatos científicos. Sem ofender nenhuma crença ou religião em especial. Felipe Castanhari, Nilce Moretto e Leon Martins fizeram um ótimo trabalho ao explicar com base científica porque a Terra não é plana. Fizeram isso de modo lúdico e baseado em princípios da educomunicação.
Criar a partir daí um discurso distorcido, gerando uma polêmica desnecessária não é algo legal. Não é honesto e não é justo com os autores do vídeo que trabalharam tanto e tão bem para fazer algo bacana em um território cada vez mais tomado por banheiras de Nutela, guloseimas gigantes, desafios irracionais e tantos outros vídeos que não agregam nenhum valor ao conhecimento.
Simples assim…
Agradeço à Nilce Moretto e também ao meu seguidor no Twitter, o Caio G O que por conta das mensagens trocadas pela rede social Twitter, me deram a ideia para este texto.
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