19 de setembro de 2017

Profissão: Blogueiro?

Tomei conhecimento sobre o assunto através de um vídeo do canal do Izzy Nobre. O tom alarmista do vídeo me chamou a atenção, mas achei prudente tomar conhecimento dos fatos, para poder opinar sobre o tema.

Primeiro, o que temos de factual: em 13/09/2017 foi apresentado pelo Deputado Federal pelo estado de Rondônia, o senhor Lindomar Barbosa Alves, que prefere ser conhecido pela alcunha de "Lindomar Garçon" o Projeto de Lei 8567/2017 que dispõe acerca da regulamentação da profissão de Blogueiro.

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Pois é... segundo este deputado, o direito de livre expressão precisa ser regulamentado. Embora, já exista um dispositivo legal que trata sobre esta questão.

Aliás, o tal dispositivo legal atende pelo nome de Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988, que trata lá no seus inciso IV e IX do artigo 5º:

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

Ok, para ser justos, precisamos fazer referência ao inciso XIII do mesmo artigo:

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

Então, teoricamente, a constituição garante o direito de liberdade de expressão em suas várias vertentes e também garante que você pode exercer qualquer profissão, desde que regulamentada.

Mas... criar a profissão de "Blogueiro" é realmente algo necessário e indispensável?

Primeiro, precisamos entender o que é um Blog... Segundo uma definição mais formal, um blog é uma página na internet que permite uma rápida atualização a partir de textos ou outros conteúdos (imagens, por exemplo) produzidos por alguém e que é mostrado em uma sequência lógica (normalmente cronológica). Os textos e conteúdos produzidos em um blog são chamados de posts.

O termo "blog" surgiu originalmente de "weblog", cunhado por Jorn Barger para descrever suas entradas diárias na internet. Posteriormente, Peter Merholz fez uma brincadeira com o termo desmembrando a expressão em "we blog". E daí o termo se popularizou.

Pense em um blog, como um grande diário virtual. E ele pode ser pessoal, profissional, corporativo (uma empresa informando seus funcionários sobre suas atividades internas), podem versar sobre vários assuntos inespecíficos ou então ser um blog temático (por exemplo, um blog sobre culinária)

Além disso, um blog permite também a interação com seu público. É usual existir uma seção para comentários onde o público pode se engajar e conversar com outros leitores e até mesmo com a equipe ou pessoa que mantém o blog. E quem mantém o blog, por tabela, ganha a alcunha de "Blogueiro".

Sim... eu sou blogueiro. Mantenho um blog desde 2009. Escrevo aqui sobre vários assuntos e também tenho outros autores que escrevem ou já escreveram aqui: o Michel Vieira (médico e escritor), o Miguel Forlin (crítico de cinema e filósofo), o Junior Ferreira (historiador), o Carlos Aros (jornalista) e o Lucas Arantes (biólogo). Então... todos eles, em maior ou menor intensidade, também são blogueiros.

Um blog pode ser hospedado em sites gratuitos, como o Wordpress.org e o blogger ou então em plataformas robustas como wordpress.com e Sharepoint. As pessoas podem pagar por um domínio próprio (como é o caso do UBQ) ou podem manter a hospedagem usando URL's dos serviços gratuitos (por exemplo, no caso do Blogger, temos o nome.blogspot.com).

Enfim... é algo bem democrático. Basta a pessoa ter capacidade para leitura e escrita, algum conhecimento da plataforma e pronto. Ela já pode sair “blogando” por aí.

Bom... agora precisamos entender o tal projeto de lei. Em itálico está o texto original e em vermelho, meus comentários…

PROJETO DE LEI Nº. , DE 2017
(Do Sr. Lindomar Garçon)

Dispõe acerca da regulamentação da profissão de Blogueiro. E dá outras providências.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º. Esta lei regula o exercício da profissão de Blogueiro em todo território nacional.

E se eu morasse na Argentina e escrevesse um blog sobre o Brasil ou de coisas no Brasil? Eu estaria ilegal por aqui?

Art. 2°. Para fins de disposição desta Lei, considera-se:

I – Blogueiro: O profissional que faz uso de plataforma tecnológica, da blogosfera, com endereço fixo na rede mundial de computadores, para a publicação de material jornalístico e compartilhamento de informações.

Esta história de “Blogosfera” é um tanto complicada… não preciso necessariamente usar uma plataforma para isso. Se eu tiver conhecimento (e paciência) para desenvolver em HTML 5, posso perfeitamente fazer um blog sem me utilizar da “Blogosfesra”. Outra… diversos órgãos de imprensa mantém seus portais na internet e hospedam seus blogs… O Carlos Aros, por exemplo tem o Tech News hospedado no portal da Jovem Pan. Eu creio que o Deputado desconhece o significado de Blogosfera.

Art. 3º. As atividades da profissão de Blogueiro serão exercidas:

I – Pelo portador de diploma de Ensino Médio, proveniente de instituição de ensino reconhecida pelo MEC, ou diploma similar, devidamente homologado pelo Ministério da Educação.

Eu acho isto inconstitucional. Qualquer pessoa que tenha algum letramento ou capacidade de expressão pode manter um blog ou um canal do YouTube (que pode ser considerado um videolog… por que ele não quer regulamentar isto também?). Um blog pode ser uma coletânea de vídeos por exemplo. Por que exigir escolaridade para opinar? E isso vai gerar também curso técnico para blogueiros em nível médio? Alguma UNIFAPONE da vida vai criar o curso superior de blogueiros?

II – Publicar em blog na rede mundial de computadores com endereço fixo na mesma.

De novo, a falta de conhecimento técnico sobre o tema. Se o blog não dispõe de endereço fixo, ele não pode ser localizado. Logo ele não existe!

III – O blogueiro que comprovar o exercício da sua atividade laboral, terá direito a requerer o registro profissional de sua categoria na condição de (jornalista), ou (Comunicador).

Qual a finalidade de equiparar um jornalista à um blogueiro? Uma coisa não impede a outra. Um jornalista pode ser jornalista e blogueiro (Carlos Aros como exemplo novamente), Miguel Forlin (meu outro colega do Podástico) não é jornalista, mas atua como colunista em vários portais de notícias e também aqui no blog e não mantém seu próprio blog.

Art. 4º. Reconhece-se no território nacional a profissão de que trata o artigo 1º., assim como seu valor cultural e econômico.

Reconhecer a profissão e seu valor econômico? Quer dizer que o cara que quer manter um blog e manter o título de blogueiro, terá que manter contribuição sindical?

Art. 5º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação

De propósito aparentemente louvável, o Deputado apresenta justificativas questionáveis para sua propositura. Segue alguns trechos…

“A regulamentação da profissão de blogueiro, por estabelecer deveres e responsabilidades, reforçará a proteção de direitos e de garantias fundamentais (…)”

De novo… não é a constituição que garante isso?

“É, sobretudo, medida preventiva por delimitar e balizar a atividade dos profissionais de blog, facilitando serem legalmente responsabilizados pela veiculação de informações quando as mesmas forem abusivas. Reforçará o interesse nacional em garantir qualitativamente e quantitativamente o conteúdo publicado na internet, jamais significando cerceamento da liberdade de expressão, mas prevenção quanto aos seus abusos”

O direito à liberdade de expressão!!! A pessoa pode falar o que quiser e sobre o que quiser. A partir daí ela responderá civil e criminalmente se for o caso. Isso já está na lei. Não precisamos de outra lei para reafirmar isto.

“Também, fará justiça àqueles que utilizam a blogosfera profissionalmente, mas que não possuem sua profissão regulamentada; (…) incorrendo em preconceitos quanto à atividade laboral desempenhada, às vezes pelos membros da própria família.”

Preconceito por escrever um blog? PRECONCEITO? Onde, meu Deus? Onde?

“(…) coibirá possibilidades de transgressão do bem estar social, da liberdade e da segurança da coletividade ou dos seus cidadãos individualmente. Estabelecerá referência sólida do que é, e quais são os deveres e obrigações dos profissionais da área.”

Quantas vezes será necessário repetir que a lei já prevê punição por responsabilidade dos atos do indivíduo?

“Ao Estipular a formação mínima necessária para o profissional blogueiro, reforçar-se-á a ideia de proteção de um patrimônio (…) mas por entender necessário um cuidado mínimo com a língua escrita. Ao estabelecer os conhecimentos técnicos mínimos necessários para a elaboração dos blogs, além de revitalizar o conceito de se ter uma qualidade mínima do material publicado na internet.”

Um blog pode ser escrito em outro idioma. Pode incorrer em coloquialismos e as vezes pode conter um outro erro gramatical. Os jornais também incorrem nestes mesmos problemas. E não existe uma lei regulamentando o que escrever e COMO escrever.

“À categoria profissional em tela, uma vez organizada, facilitar-se-á estabelecer diretrizes comportamentais éticas e atributivas que atendam às suas necessidades e às necessidades sociais.  (…) e a consequente organização dos seus profissionais, convergir-se-ão meios para que seja dada maior efetividade à fiscalização formal ou social, dentro da sua devida legalidade e quando se fizer necessária.”

Ok, finalmente ele admite aqui sua intenção: FISCALIZAR. Agora eu pergunto… qual a necessidade? A gente só fiscaliza algo que a gente procura punir. E pelo que entendi, existiu um ou outro blog na região de Rondônia que publicou conteúdo (denúncias) sobre eventuais “deslizes” do nobre Deputado. E ao que parece ele não gostou muito de ter seus deslizes expostos pelos blogueiros.

Outra questão diz respeito à organização da categoria profissional. O que me garante que um eventual “Sindicato dos Blogueiros” não venha impor obrigações sindicais para os blogueiros com o objetivo de financiar sua atividade sindical.?

“A proposição, afastando-se da ideia de burocratização excessiva, representa uma modernização e atualização do ordenamento jurídico aos tempos atuais. Haja vista o nosso sistema ser baseado na Civil Law, impõe-se a essa situação fática o necessário contorno jurídico-positivado, contraponto à situação de vácuo existencial legal de reconhecimento da profissão, bem como de menosprezo social advindo.”

Ele tem a cara de pau de falar em “burocratização excessiva”.

E eu realmente não sabia que eu era menosprezado socialmente por manter um blog.

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Minha opinião é simples: os direitos de opinar e escrever são inalienáveis. Qualquer um pode opinar e escrever. Todos têm o dever de responder civil e criminalmente por aquilo que publica. Mas ninguém tem o direito de cercear a minha liberdade de escrever como eu quiser, usando a linguagem que eu julgar mais adequada.

Então, o deputado proponente desta lei deveria aprender que ele tem o direito de discordar das opiniões que são publicadas a seu respeito. Que ele deve exercer (ou aprender a exercer) seu direito à réplica. Seu direito à opinião.

Mas ele não deve usar seu mandato legislativo para criar leis que imponham uma punição velada, só porque em algum momento ele não se mostrou capaz de produzir conteúdo à altura das críticas que recebeu.

Neste momento, estou exercendo meu direito de livre expressão intelectual, garantindo constitucionalmente.

E se o senhor deputado em questão não puder conviver com isso, que proponha uma PEC. E não uma lei como esta…

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