Não parecia algo complicado… leite, farinha, ovos, fermento, sal a gosto. Bater a massa, colocar na frigideira. Servir…
A arte de fazer panquecas não me parecia ser algo complicado e ter o seu domínio parecia apenas uma questão de tempo.
Preparei os ingredientes… primeiro fui ao mercado em busca de ingredientes: faltavam a farinha e o fermento. Seriam panquecas simples, daquelas do tipo americano que você despeja alguma cobertura doce ou salgada e come no café da manhã.
Algo trivial…
Um mercado bem cheio para uma manhã de domingo. Pessoas na fila do açougue, na fila do pão. Eu só precisava de farinha e fermento.
Já na cozinha preparei tudo o que seria necessário: uma vasilha para a mistura, uma frigideira, os ingredientes. Acho que tinha tudo a mão.
Devo confessar que seria minha primeira experiência com panquecas. Deixando de lado um pouco a modéstia, eu tenho alguma prática culinária bacana. Meus hambúrgueres caseiros são uma menção muito honrosa em meu currículo culinário. Devo dizer que minha maionese de legumes é uma tradição natalina bastante aguardada e no campo dos doces, minha gelatina multicolorida rende sempre elogios rasgados.
Diante de um sólido e bom retrospecto, as panquecas não pareciam ser um inimigo a ser combatido e derrotado, mas apenas um território a ser conquistado por simples aclamação.
Comecei então a misturar os ingredientes… Primeiro, os sólidos: a farinha, o sal, o fermento e até mesmo uma pequena pitada de orégano para ter um diferencial. Em um vasilha à parte misturei os ovos e o leite. A receita original não pedia, mas me pareceu conveniente um colher de azeite…
Com a mistura líquida pronta eu a acrescentei à mistura sólida, mexendo cuidadosamente para não empelotar. Usei para isso uma tradicional colher de pau, recomendadas por gerações na minha família.
Como resultado, obtive uma massa homogênea, nem líquida demais, nem consistente demais. Na viscosidade ideal, eu poderia afirmar.
Confiante, aqueci a frigideira e coloquei um pouco de margarina. Despejei o conteúdo da massa em quantidade suficiente para uma fatia espessa e apetitosa. Um agrado para minha esposa que tem passado poucas e boas ultimamente por conta de minha depressão.
Aguardei que a massa desgrudasse da frigideira e virei a fatia. Uma bela cor dourada formava uma crosta apetitosa. Após algum tempo, a outra face se soltou. E com isso eu conseguia uma bela panqueca.
Repeti o processo até finalizar a massa. O que resultou em três panquecas douradas. Dignas de uma foto… que não me ocorreu tirar. Mas garanto que ficaram tão bonitas como essa da foto que sorrateiramente busquei na internet:
Então, arrumei a mesa do café, os pratos, os talheres, as coberturas. Eu realmente queria um café agradável nesta manhã de domingo.
Chamei minha esposa e servi em seu prato uma bela panqueca…
E então, ao cortar a panqueca ao meio, vejo uma massa viscosa escorrendo do interior da fatia, a farinha, os ovos e o leite que não cozinharam. As panquecas ficaram cruas. E ao ver aquele líquido escorrendo do interior das panquecas, o pânico tomou conta de mim.
Em uma tentativa desesperada de salvá-las, coloquei no microondas por alguns minutos, mas a massa teimava em não cozinhar…
Eu havia fracassado… Mais uma vez eu fracassava em algo simples. Fazer panquecas.
Minha esposa ainda tentou me consolar. Em vão… as panquecas estavam cruas e malfeitas. Estavam estragadas por minha culpa. Pela minha arrogância em achar que por saber fazer alguns pratos na cozinha eu poderia fazer panquecas de qualquer forma.
E se você achava que esta era uma história onde eu contava sobre meu fracasso com as panquecas, lamento desapontá-lo. Eu usei as panquecas apenas para prepará-lo para o que viria a seguir…
Eu entrei em pânico.
Pânico… não raiva, não frustração, não perplexidade… nada disso. Puro e genuíno pânico.
As panquecas foram apenas a gota d´água… porque algumas coisas não saíram muito bem. Resumindo a história, no dia anterior eu publiquei um podcast que no final das contas , foi mal editado por mim. Eu ainda perdi a edição de um vídeo inteiro porque eu não soube fazer a captação da imagem. Eu estava inconformado com estas coisas e tentava explicar para minha esposa o que tinha dado errado.
E no processo, Mariana não nos deixava conversar. Eu tentava falar, Mariana cortava, tentava continuar, Mariana cortava novamente.
Eu não conseguia manter um diálogo consistente com minha esposa.
E apesar dos avisos, a Mariana não parou.
E então… eis que em algum momento, eu parei de (tentar) falar com minha esposa. Olhei firme para minha filha e gritei (não… não vou tentar amenizar… eu gritei como um animal) com ela para que ela parasse. Para que parasse porque eu estava tentando conversar com a mãe dela.
Ela parou…
Parou… e seu rosto saiu da genuína alegria para o completo desespero e agonia. E começou a chorar.
E neste momento… e só a partir dali… eu havia me dado conta do tamanho da bobagem que eu havia feito.
Mas era tarde demais… o mal já estava feito. Ela chorou copiosamente e se afastou de mim… provavelmente por medo e decepção. Levou um tempo para ela se acalmar. Um pouco mais tarde, eu me desculpei com ela e com minha esposa. Tratei minha filha com todo o carinho possível e ela retribuiu o meu afeto… mas meu coração estava despedaçado pela grande cagada que eu havia feito.
As panquecas seriam uma forma, ainda que abstrata, de conseguir alguma absolvição por ter invertido tanto os valores importantes no dia anterior.
E de certa forma, as panquecas me julgavam e me condenavam.
E se negaram a me ajudar na minha penitência idiota…
Voltando ao pânico. Eu entrei em parafuso… tudo estava errado. Tudo estava em ruína novamente. Não conseguia fazer nada a não ser chorar e chorar. Agora tudo está um pouco nebuloso. Pelo que sei, minha esposa ligou para meu médico que tratou de orientá-la sobre o que fazer. Depois disso eu apaguei. Dormi o dia todo. Acordei durante a madrugada.
Vazio… com um enorme peso na cabeça e talvez na consciência.
E é por isso que você está lendo isso aqui. Porque hoje eu sei que minha filha não tem maturidade para entender o quanto eu errei e o quanto eu me arrependi do que fiz.
Mas quero de alguma forma deixar isso registrado, para que ela um dia saiba que eu errei e que vou me cobrar mais para não errar novamente.
E no fim… as panquecas serviram a seu intuito… mas por um bom tempo não tentarei fazer panquecas novamente. Eu as deixarei em paz…