Nas andanças pelas ruas de São Paulo, o motorista de aplicativo sempre fica à espera de um novo chamado. E sempre são apenas duas informações básicas… a primeira: onde a pessoa está. A segunda: o nome da pessoa que chamou.
Ao ver o nome ali da pessoa na tela, não são muitas informações… Pedro, Tiago, Paula, Joana, Eulália, Adonias, Gaetano… todos nomes possíveis. E cada um conta uma história.
Mas um nome que me chama a atenção quando surge na tela é o nome Mariana… E isto talvez porque eu tenha um forte ligação emocional com esse nome, não é mesmo?
Noite de Natal… não é exatamente o melhor dia para ficar longe da família, mas ao mesmo tempo é um dia muito bom para uma renda extra. Muitas pessoas estão indo e vindo e é claro precisam de alguém que as leve…
Chega um chamado da Vila Carrão… um bairro que surgiu em 1917 e que ganhou esse nome em homenagem a João da Silva Carrão, que foi presidente da província de São Paulo e também ficou conhecido como Conselheiro Carrão. Aliás, ali no bairro, tem uma grande avenida com o seu nome também.
Outro detalhe me chamou a atenção… o nome da passageira é Mariana.
Não era a primeira vez… outras Marianas já embarcaram no meu carro. Uma moça de Minas Gerais que estava a trabalho aqui na cidade, uma garota muito alcoolizada que estava saindo de uma festa, uma moça que tinha uma amiga com cabelo cor-de-rosa, uma outra que sequer falou três palavras comigo… em todas elas eu buscava traços de bom caráter e qualidades que talvez eu possa ver na Mariana que mais me interessa… a minha filha.
Mas o que me chamou a atenção ali, é que uma Mariana estaria ali em minha solitária noite de Natal.
Ao chegar no local de embarque, uma moça que contava com no máximo uns 21 anos me aguardava. Ela carregava consigo algumas malas de viagem, uma bolsa a tiracolo e um garrafa PET com água.
Ela logo quis embarcar e eu sugeri que colocássemos a bagagem no porta-malas. Ela prontamente aceitou. Ao entrar no carro, logo perguntei suas preferências pelo ar ou ventilador e se tinha alguma estação de rádio preferida.
- Apenas uma rádio que seja musical, por favor.
Percebi que a moça não queria conversa. Deixei-a absorta em seus pensamentos e me concentrei na viagem. O destino era próximo à Av. Paulista.
Os primeiros dez minutos da viagem foram em completo silêncio. Apenas o rádio insistia em fazer algum ruído musical. Então percebi um leve soluçar. Mariana estava chorando…
Não sei se existe uma regra específica sobre isso, mas acredito que não é uma boa ideia se intrometer nos problemas alheios. Então, tudo que pude fazer naquele momento era apenas silenciosamente esperar pelo final da viagem.
Alguns momentos depois, percebo que ela começou a conversar com alguém ao telefone. Inicialmente em voz baixa, depois, em som natural… com a voz muito embargada, entremeada por choro.
Era uma conversa triste… ao que parece seu Natal fora arruinado por alguma briga familiar. Discutira com os tios… com o irmão… com o próprio pai. E ela estava arrasada com tudo aquilo. Por fim, tomou a decisão de ficar sozinha no Natal e por isso estava retornando para sua casa no centro da cidade.
Eu não pude deixar de notar a conversa… e dali, duas frases retumbavam em minha cabeça: ‘Eu só queria ter uma noite de Natal feliz…’ e ‘Tudo que eu queria era poder ouvir uma palavra de carinho do meu pai…’
Aquilo doeu… me coloquei no lugar do pai daquela Mariana… imaginei como seria aquilo se a história fosse com a minha Mariana. Eu não estava pronto para aquilo. Eu só queria que aquela Mariana pudesse ter a chance de ter uma noite de Natal feliz.
O seu destino se aproximava e ela então desligou o telefone. Ela então se dirigiu a mim para explicar o ponto de desembarque. Mas não conseguiu falar sem soluçar as palavras…
Aquilo era demais pra mim…
- Dona Mariana, a senhora me desculpe a intromissão. Eu sei que dirigindo aqui muitas vezes nós devemos agir como surdos e mudos e não se intrometer na vida das pessoas. Mas eu não pude deixar de ouvir parte de sua conversa.
Ela ouvia atenta. Eu prossegui…
- Sei que as vezes não é fácil… sei que as vezes a vida não sai como a gente planeja. Eu sei isso por experiência própria. Sabe, eu tenho uma filha pequena que também se chama Mariana. E por um momento eu imaginei o que – como pai – poderia dizer a ela caso ela estivesse passando por um momento difícil como o seu.
Talvez eu estivesse indo longe demais… mas já havia começado, não poderia parar agora.
- Eu diria a ela… o bom de dias ruins é que eles também chegam ao fim. E amanhã – um outro dia – podemos recomeçar e tentar fazer tudo certo novamente. Temos dias bons… mas os dias ruins também vêm junto no pacote. Sei que talvez isso não tenha importância nenhuma. Mas eu queria desejar do fundo do meu coração para a senhora um Feliz Natal. Este pode não ter sido o melhor. Mas torço muito para que os próximos sejam mais alegres e felizes. Confie nisso.
- Tudo vai ficar bem… acredite.
Ela chorava copiosamente. Naquele momento não haveria nada que eu pudesse fazer a não ser torcer para que eu não tivesse piorado as coisas.
Finalmente chegamos ao destino. Desembarquei e a ajudei com as malas. Estendi minha mão e desejei a ela um Feliz Natal.
E então, a moça me abraçou…
- Obrigada! O senhor não imagina o quanto isso significou para mim.
Eu me despedi dela e embarquei para seguir o meu destino. Mas no instante seguinte ela deu um tapinha no vidro do passageiro…
- O nome do senhor é Ricardo, não é?
- Isso mesmo.
- Achei que o senhor deveria saber… o nome do meu pai também é Ricardo. Obrigada por permitir ser parte de sua família pelo menos por alguns minutinhos. Tenha um Feliz Natal o senhor também!
E finalmente, ainda que num rosto coberto por lágrimas, um leve sorriso surgiu ali.
Eu acenei com a cabeça e agradeci… saí lentamente enquanto ela seguia seu caminho. Afinal, agora era minha vez de chorar… e naquela noite de Natal, senti-me novamente de certa forma abençoado por trazer alguma alegria para aquela Mariana.
E mais uma vez, um chamado… uma nova viagem começaria naquela noite de Natal…
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