Depois de terem deturpado Marx (e agora Trotsky), deturparam o jeans.
Bem se diga que não é de agora… Eu era pequeno e explodiu a moda do "stone washed": nada mais era que uma calça novinha onde um espírito de porco borrifou água sanitária e depois colocou a calça no varal para escorrer. Pausa para o produto "água sanitária" que se encontra no patamar do gilete, do bandêide, da maizena, do danone e por aí vai… Aqui em SP é chamado pela marca líder, "Cândida". De onde eu venho, chamamos de "quibôa" - ainda que a marca seja escrita "Q-Bôa". O jeans também teve seus ícones neste sentido, como a "Calça Lee" e a "Far-west" (cuja pronúncia brasileiríssima era "Farvésti").
Pois bem. Eu nunca usei "stone washed"… achava feio. Há um tempo comecei a entender a existência do jeans preto, mesmo sem existir um "indigo black". Mas eu não entendo algumas coisas. Fui comprar o raio de uma calça jeans.
Entrei na loja, disse minha intenção… o vendedor me perguntou o tamanho que eu usava.
– Cinquenta… Cinquenta e pouco…
Ele riu - não sei bem de quê - e retornou com uns modelos. Mostrou-me o primeiro. Ali tinha tecido para fazer uma barraca. O sujeito quando é muito gordo tem que aprender a conviver com isso – é mais fácil que fazer regime e não exige vergonha na cara – e tem de si mesmo uma imagem deformada. A ciência explica este fato. Eu constato isso sempre que alguém me mostra uma roupa para me vender, sendo ela do número que eu disse que vestia, e tomo um susto.
– Deve caber uns três de mim aí, moço – disse eu ao vendedor.
Ele riu de novo e começou a esticar a perna da calça, mais precisamente ali na região do meio da coxa e disse:
– Essa vem com 'stréch’ (eu acho que é isso), é bastante confortável.
Achei estranho. Muito estranho. Tive que dizer a ele…
– Moço, aí tem tecido para cobrir uma carreta de Scania. É sério, tem mais jeans aí que lona Randon no caminhão, e você ainda quer que o negócio estique?
Ele só fazia rir, mas estava ficando ansioso. Então, disse:
– Pois é doutor, mas todas vem com isso.
Eu ainda estava meio inconformado.
– Mas por quê?
E aí ele mandou brasa…
– É o que tá usando!
Este tipo de expressão complica mais um pouco. Primeiro, que ele te chama de alienado, tipo "em que mundo você vive". Segundo, que você se sente pressionado a comprar, posto que vai se sentir um pária se for o único ser humano que - em tendo uma calça jenas - tenha uma sem o negócio que faz esticar.
Desistimos dessa. Ele meio contrariado mostrou uma, já avisando que "essa aqui eu tenho quase certeza que o senhor não vai levar".
Se tem quase certeza, por que mostrou, caramba? Era uma calça dessas que se dá, depois de pronta, para uma matilha de cães famintos, com todas as mordidas esgarçando o tecido outrora intocado. Seria boa para uma festa junina, já que nos rasgos poder-se-ia costurar remendos.
Mostrou outra. Bonita, azulzinha, mas tinha um troço esquisito: as pernas iam se afunilando até que na região do tornozelo, a boca por onde o pé sairia lá em baixo se estreitava muito. Muito apertado, como um torniquete. A calça "anti-boca-de-sino".por excelência. Como eu não usei esse trambolho, já que na década de 70 usava fraldas, não mereço pagar por isso.
E foi então que ele depôs armas:
– Vou te trazer uma que vai ser amor à primeira vista!
E foi... Era meu número certinho (portanto uma carreta e meia), azul no tom que deve ser o tom de uma calça jeans.Vestiu direitinho. Fomos fazer a barra.
O vendedor se ajoelhou aos meus pés e, com a boca cheia de alfinetes comentou…
– O senhor parece ser um pouco conservador né?
– Um pouco não... muito!
– Ah!
Ele continuou com a fala entre alfinetes:
– Acho até que sei em que o senhor votou…
Vixe! Luz amarela! Até comprando calça esse assunto aparece…
Decidi por encerrar a conversa por ali. Havíamos passados por momentos tensos e eu queria deixar uma boa impressão . E com ele espetando o tecido com firmeza, decidi por perguntar uma coisa, ao invés de responder sobre o voto:
– Vocês fazem barra italiana?
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